Ayrton Senna da Silva, o ícone brasileiro do automobilismo que nos deixou à 27 anos atrás. Lembrar dele no dia 1º de maio é inevitável, e nesse post vamos celebrar nosso ídolo relembrando uma reportagem feita pela Revista Quatro Rodas.
Ayrton tinha 24 anos quando estreou na Fórmula 1, em 1984, e pouco antes de fazer aniversário, testou 12 carros nacionais no autódromo de Interlagos para a Revista Quatro Rodas.
Entre uma avaliação e outra, conferiu o desempenho de cada automóvel, repassou suas notas nos 14 itens e, claro, falou sobre a primeira temporada na F-1, que estava prestes a começar pela Toleman-Hart. “Não esperem vitórias. Se eu conseguir um quinto ou sexto lugar, já poderei me considerar realizado”, afirmou. Mas Ayrton conseguiu muito mais que isso. Já em sua sexta prova na categoria, em Mônaco, ficou em segundo lugar. Na Inglaterra e em Portugal, terminou em terceiro. Seu talento foi logo reconhecido e, no ano seguinte, estava pilotando pela escuderia Lotus. A partir daí, todo mundo já sabe: numa das trajetórias mais gloriosas da F-1, sagrou-se tricampeão pela McLaren e transformou-se em mito do automobilismo mundial.
A Revista Quatro Rodas tinha tradição em ter personalidades da F-1 para testar os carros brasileiros. Jackie Stewart foi o primeiro, em 1970. Um ano depois, Collin Chapman, dono da Lotus, e Emerson Fittipaldi toparam o desafio. Em 1975, Emerson repetiria a dose e, em 1978, foi a vez de Jody Scheckter, que ganharia o título do ano seguinte. Para Ayrton Senna, dirigir 12 modelos poucos dias antes de alinhar pela primeira vez no grid da F-1, em Jacarepaguá (RJ), foi um esquenta para a temporada que viria.
O sinal verde imaginário acendeu e Ayrton Senna começou o teste com o Volkswagen Passat LS. De cara, sua primeira percepção: “O carro veio equipado com câmbio longo, o que agradou bastante. Tem um bom aproveitamento do motor e pouco barulho interno”.
A bordo do Chevrolet Monza SL/E, Ayrton se surpreendeu com a suavidade que não comprometia a estabilidade. “O motor, de tão silencioso, parece desligado. O painel é muito bacana, com todos os instrumentos fáceis de visualizar.” Senna não aprovou a posição do volante – muito baixo e próximo das pernas – e achou que o freio era pesado demais.
Sempre enfático em suas opiniões, Ayrton não mediu palavras ao falar do VW Gol LS: “Este carro não me agrada em nada. O motor em baixas rotações é alegre. Mas perde todo o encanto quando a terceira é engatada. Ele se torna barulhento demais. Uma quinta marcha poderia resolver isso”. Ele relatou que o carro saía bastante de traseira nas curvas e que a suspensão era dura demais. As melhores notas, como direção, porta-malas e instrumentos, não passaram de 7. E tascou um 5 em nível de ruído.
O ponto alto do Ford Del Rey Ouro foi o painel, o mais completo de todos os automóveis nacionais e, segundo Ayrton, comparável ao do Alfa Romeo. “O Del Rey é macio e confortável, adequado ao público a que se destina”, comentou. Ele gostou da posição de dirigir e dos bancos, que seguravam bem nas curvas. Mas observou que a alavanca de câmbio tinha “muito jogo”, sem atrapalhar o desempenho do carro.
“O Chevrolet Chevette SL tem o melhor câmbio entre todos os carros avaliados”, sentenciou o piloto brasileiro. Ao compará-lo com o Monza, do mesmo fabricante, ele disse que o engate da quinta marcha era mais fácil e preciso no Chevette. O problema estava no barulho excessivo do motor. Sempre exigente nos freios, Ayrton revelou que os do compacto só começavam a responder depois de muito esforço no pedal. “A posição de dirigir é agradável e os bancos são confortáveis. Pena que o painel seja incompleto”, ressaltou.
Ayrton começou a avaliação do Fiat Oggi CL criticando a falta de espaço interno. “Avançar todo o banco da frente para uma pessoa poder entrar atrás é negativo”, disse. Tirando o porta-malas, que recebeu uma nota 8, o modelo só levou bordoadas: “O pedal de freio é muito duro e o curso da alavanca de câmbio é longo: a segunda vai colada na perna do motorista e a na perna do passageiro. Faltam instrumentos no painel. O desempenho do motor 1 300 é fraco e, apesar da boa estabilidade, o carro está rolando demais”. A conclusão sobre o Fiat: “É um carro para andar devagar na cidade”.
Dos 12 modelos avaliados, o que mais impressionou Senna foi o Ford Escort GL, com uma enxurrada de notas 9, entre elas em freios, estilo e posição do motorista. “Os freios provaram que são um ponto alto da Ford”, afirmou Ayrton. “Acionados em emergência, eles travam as rodas dianteiras, diminuindo a velocidade sem assustar o motorista.” Considerou ótimo o desempenho do motor CHT, auxiliado pelo bom escalonamento da transmissão manual de cinco marchas.
Apesar do luxo e dos itens de série que em outros carros seriam opcionais, o Alfa Romeo ti4 apresentou alguns problemas. Um deles era o elevado barulho do motor em altas rotações, que impedia até a conversa entre os passageiros. Os freios decepcionaram, pois só os da roda direita funcionaram. De resto, o carro agradou. Tinha acabamento de qualidade, ótimo sistema de direção hidráulico e bancos dianteiros anatômicos.
Rigoroso nas notas, Ayrton só deu um 10, e foi para o porta-malas da Chevrolet Caravan. “Você pode transportar um monte de coisas e ainda tem um carro para a família. O projeto é antigo, mas o estilo continua agradando”, afirmou. Ayrton considerou o painel um pouco distante, por isso, sentiu certa dificuldade de acionar os comandos. Outra ressalva foi a potência do motor, incompatível com o tamanho do automóvel, ainda mais com o compartimento de bagagem lotado.
O desempenho da VW Parati não satisfez Ayrton, mas ela mostrou outras qualidades, como os ótimos bancos dianteiros, que permitiam várias regulagens. O câmbio de quatro marchas permitia engates precisos e suaves e a suspensão garantia conforto porque não era dura demais.
A Ford Belina tinha o mesmo motor CHT de Escort e Del Rey, o que constituía um fato negativo, na visão de Ayrton. “É um modelo com maior capacidade de carga e, por essa razão, seu desempenho fica comprometido. Os freios não trabalharam bem. Internamente, o carro era muito pobre e os bancos não repetiam o padrão de outros automóveis da Ford. A posição de dirigir não era das melhores: para alcançar os instrumentos do painel, houve necessidade de movimentar o corpo para a frente.
Na reta de chegada da avaliação, Ayrton dirigiu a Fiat Panorama CL. “As diferenças em relação ao Oggi estão nas dimensões, porque são iguais em motor e desempenho”, disse. Ele gostou do câmbio de quatro marchas, mais eficiente que o de cinco do Oggi. Os freios também foram superiores, mas o pedal era duro demais. “Acabamento e conforto me parecem pobres, mas o estilo me agrada. Sou fã de peruas”, disse.
Do primeiro piloto de Fórmula 1 convidado, Jackie Stewart, até Ayrton Senna, passaram-se 14 anos. Respaldada pelas impressões do campeão, a QUATRO RODAS deu um veredicto muito animador: “Nesse período, a evolução dos nossos carros foi notável”.
A conclusão de Ayrton seguiu o mesmo caminho: “Os carros brasileiros melhoraram muito de uns anos para cá e podem ser comparados aos europeus”. “Paciente, escrupuloso, atento, Ayrton Senna experimentou todos os veículos da mesma forma. Acertava a posição dos bancos e fixava o cinto de segurança antes de acionar os comandos. Depois de completar a avaliação, fazia questão de examinar o porta-malas demoradamente, além de verificar todos os instrumentos. Um comportamento profissional do qual ele não se desviou durante as 8 horas de teste, sob o inclemente sol de fevereiro (…) Ayrton não escondeu sua predileção por Escort e Monza.”
Reprodução de matéria publicada na Revista Quatro Rodas em 1984.
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